Sagrado em Fluxo

Humano vs. Máquina

Definir o que pode ser entendido como “sagrado”, de forma universal, é uma tarefa complexa. A sacralidade é um conceito que envolve o âmbito da espiritualidade e exige uma profunda reflexão sobre as origens e os mistérios do universo. Intimamente relacionado a crenças religiosas e muitas vezes envolvendo uma conexão com algo maior do que nós mesmos, o que cada um de nós define como sagrado é determinado por variáveis como origens culturais, local de nascimento e experiências individuais.

Para máquinas de Inteligência Artificial, que geralmente são treinadas para analisar e processar grandes conjuntos de dados, entender o significado por trás de termos como "Deus", "sagrado", "espiritual" e até "misticismo" pode ser extremamente desafiador. Alguns especialistas afirmam que a IA poderia entender essas ideias se fosse programada para aprender especificamente sobre isso. No entanto, outros sugerem que essas noções podem ser muito abstratas e subjetivas, e que um entendimento real sobre esses termos, por sistemas de IA, seria praticamente impossível.

Em 2016, a artista Juliana Freire e Edson Pavoni se envolveram nesse debate. Eles começaram a se perguntar como as imagens geradas por IA poderiam entender, dentro de suas próprias limitações, conceitos religiosos caros (e talvez até exclusivos) à humanidade.

Sagrado em Fluxo surgiu do desejo de co-criar com tais tecnologias, que os artistas passaram a considerar "seres interdimensionais". Este exercício tornou-se então uma tentativa de amalgamar uma dimensão cósmica ao paradoxo humano versus máquina.

Processo Criativo

Sagrado em Fluxo usou Generative Adversarial Networks (GANs), uma inovação recente em aprendizado de máquina que é capaz de criar novas instâncias de dados que se assemelham visualmente às informações de treinamento que foram alimentadas em seu sistema. Nesse caso, os artistas alimentaram as redes neurais profundas com mais de 14 milhões de imagens, que incluíam símbolos místicos, ícones religiosos, representações de santos e divindades, templos, figuras mitológicas e muito mais. De diferentes épocas e locais, essas imagens buscavam fornecer uma quantidade substancial de material para o software analisar e criar padrões de reconhecimento.

Após essa primeira fase, os artistas passaram a desenvolver "imagens-semente": pinturas e colagens que serviriam de base para as obras finais. Essas imagens foram adicionadas ao software e combinadas com o grande conjunto de imagens com as quais ele já estava familiarizado. As imagens-semente foram então modificadas, repetidas vezes, por meio dos comandos do artista. Ao combinar termos como “Deus”, “mulher” e “sagrado”, por exemplo, eles conseguiram dialogar com a máquina usando o vocabulário que ela mesma já conhecia.

Mesmo que esses processos sejam recentes e possam ser difíceis de entender, pode-se comparar o uso de imagens geradas por IA ao instrumento de músicos. Assim como um pianista precisa selecionar as notas necessárias para tocar um acorde, também os artistas precisam solicitar ao software os elementos necessários para criar as imagens desejadas.

A exposição

Exibida pela primeira vez em São Paulo, na Galeria Pãa, a exposição consistia em reproduções em grande escala das imagens, montadas em estruturas metálicas que lembravam andaimes de construção. Objetos menores feitos de madeira continham três vidros consecutivos, cada um representando uma etapa da transformação da imagem. A mostra utilizou o mobiliário existente na galeria como dispositivo expositivo, criando fortes contrastes entre seus estilos antigos e artesanais e o caráter futurista das obras expostas.